A segunda edição do “Sobrevoando América Latina e o Caribe” da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA) “pousa” no Brasil, país onde nasceu o CEO da associação, José Ricardo Botelho, para falar dos desafios e capacidades do país para enfrentar a crise.
O Brasil é a nona maior economia do mundo (segundo o World Bank 2019), o segundo país mais competitivo em disponibilidade de recursos naturais, segundo o Fórum Econômico Mundial (WEF 2019), o sexto maior mercado de aviação doméstica no mundo (2019) e um dos poucos países que não fechou os céus em 2020, com 44 milhões de passageiros transportados no ano em cerca de 284 mil voos.
Sendo um país continental com uma geografia maravilhosa, mas intrincada, essa característica torna o desenvolvimento da malha aérea essencial para conectar milhões de pessoas. Além de metrópoles como São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro ou Porto Alegre, o Brasil tem um mercado interno importante e em constante crescimento, graças aos benefícios econômicos e sociais que a aviação é capaz de levar a mais lugares, mesmo que remotos.
Desde 2012, o Brasil conta com a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), criada com a missão de estimular o hábito de voar no país. Atualmente é formada pela ABAETÉ, GOL, LATAM, LATAM Cargo, RIMA e VOEPASS e é presidida por Eduardo Sanovicz, graduado em história, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e professor doutor do curso de turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Eduardo possui vasta experiência em turismo, eventos e desenvolvimento de oportunidades em todo o setor de viagens e turismo. E foi com ele que o CEO da ALTA trocou algumas ideias sobre a aviação no país, através de perguntas e respostas.
José Ricardo Botelho: O Brasil foi um dos poucos mercados na região que não fechou os céus. Que impacto isso teve no mercado de aviação comercial?
Eduardo Sanovicz: Isso foi muito positivo para mostrar o compromisso da aviação brasileira com o país e principalmente a nossa capacidade de, logo após instalada a crise, ter uma política de enfrentamento. Enquanto no resto do planeta quase toda a aviação parou, no Brasil, mantivemos todas as capitais conectadas no pior momento da crise, com 8% da malha no ar.
Isso permitiu, primeiro, contribuir para repatriar todos os que estavam fora, cujas empresas haviam parado de voar. Depois, imediatamente, pudemos implementar um programa de transporte gratuito de profissionais de saúde. Na sequência, equipamentos, remédio e depois vacinas também foram transportados gratuitamente, à medida que fomos retomando a operação após a implantação dos protocolos sanitários.
Creio que isso deu credibilidade para a aviação brasileira e nos colocou como um dos interlocutores importantes entre os setores econômicos do país.
Como as restrições de outros países à entrada de brasileiros afetam o mercado de aviação comercial brasileiro?
As restrições nos afetam bastante. O Brasil hoje é o país que tem o segundo maior volume de restrição a entrada de seus passageiros em outros países. A África do Sul, segundo o último número que vi, tinha 116 países com algum tipo de restrição e os brasileiros, 114 países. Isso nos afeta na medida em que é consequência da maneira pela qual os diversos países do mundo reagem às informações que chegam do Brasil.
Por isso teremos o desafio de reconstruir a imagem do país. Isso é algo que não se resolve com uma canetada. Um dos desafios que teremos será a construção de um programa de retomada do Turismo nacional e também internacional, emissivo e receptivo. Portanto, há um impacto direto cuja superação deverá levar de dois a três anos.
Você tem uma vasta experiência em turismo, o que você acha que mudará na forma de fazer turismo no Brasil e como o país deve se preparar?
Alguns impactos sobre a cadeia do Turismo já estão colocados. Aquelas viagens exclusivamente para negócios, como sair de São Paulo para uma reunião fora de 2 a 3 horas em outra cidade e depois voltar, muito desse segmento vai ficar no virtual. As pessoas vão preferir reuniões on-line. Isso responde por uma parte importante do faturamento e da demanda da aviação. O que deve permanecer é aquela viagem corporativa ligada a eventos, por isso é fundamental para o setor de eventos se fortalecer para tentar suprir um pedaço disso.
As viagens de lazer também seguirão, num primeiro momento, com destinos mais próximos: de 1h30 até 2 horas de voo. O que vai surgir é um outro segmento, o de pessoas que, ainda que estejam trabalhando normalmente, descobriram que podem ficar uns cinco, seis dias ou uma semana longe de casa, atuando remotamente, num lugar no qual das 7 horas às 9 horas vão à praia e os filhos têm meio período para passear. Portanto, vai ser um novo perfil e nós vamos ter de nos preparar oferecendo produtos e serviços competitivos, com preços adequados para os destinos que forem demandados.
Creio que isso terá um peso fortemente doméstico e, num segundo momento, uma dimensão latino-americana e depois internacional.
Como você vê as oportunidades de trabalho conjunto ABEAR – ALTA?
Vejo de forma muito positiva. Esta pandemia nos mostrou uma série de pautas nas quais a ação conjunta e coordenada foi útil para o setor. Dois exemplos relevantes são a consolidação do JET A e o programa de revisão do ambiente de extrema judicialização que vivemos, nos quais ABEAR e ALTA, com apoio também de IATA e Jurcaib, atuaram juntas.
Durante a emergência sanitária de 2020, a aviação desempenhou um papel essencial no transporte amplo e oportuno dos suprimentos necessários para enfrentar a crise de saúde. Não há dúvida de que o setor aéreo manterá um papel fundamental para conseguir a recuperação dos destinos e trazer oportunidades de emprego para mais lugares.
O trabalho articulado entre aviação e turismo é agora mais importante do que nunca para realmente conseguir que toda a cadeia de valor se comunique efetivamente com a população e consiga quebrar os medos e barreiras existentes para oferecer experiências seguras e memoráveis.
Por José Ricardo Botelho, CEO da ALTA